Thursday, January 30, 2014

Carta aberta a um Dux (circula na net)

Dux:

Ando aqui com esta merda entalada há já algum tempo. A ouvir as diferentes versões, a pensar nas dúvidas e a pôr-me no lugar das pessoas. Tento pôr-me no lugar dos pais dos teus colegas que morreram. Mas não quero. É um lugar que não quero nem imaginar. É um lugar que imagino ser escuro e vazio. Um vazio que nunca mais será preenchido. Nunca mais, Dux. Sabes o que é isso? Sabes o que é "nunca mais"?

A história que te recusas a contar cheira cada vez mais a merda, Dux. Primeiro não falavas porque estavas traumatizado e em choque por perderes os teus colegas. Até acreditei que estivesses. Agora parece que tens amnésia selectiva. É uma amnésia conveniente, Dux. Curiosamente, uma amnésia rara resultante de uma lesão cerebral de uma zona específica do cérebro. Sabias Dux? Se calhar não sabias. Resulta normalmente de um traumatismo crânio-encefálico. Portanto Dux, deves ter levado uma granda mocada na cabeça. Ou então andas a ver se isto passa. Mas isto não é uma simples dor de cabeça, Dux. Isto não vai lá com o tempo nem com uma aspirina. Já passou mais de 1 mês. Continuas calado. Mas os pais dos teus colegas têm todo o tempo do mundo para saber a verdade, Dux. E vão esperar e lutar e espremer e gritar até saberem. Porque tu não tens filhos, Dux. Não sabes do que um pai ou uma mãe é capaz de fazer por um filho. Até onde são capazes de ir. Até quando são capazes de esperar.

Vocês, Dux... Vocês e os vossos ridículos pactos de silêncio. Vocês e as vossas praxes da treta. Vocês e a mania que são uns mauzões. Que preparam as pessoas para a vida e para a realidade à base da humilhação, da violência e da tirania. Vou te ensinar uma coisa, Dux. Que se calhar já vai tarde. Mas o que prepara as pessoas para a vida é o amor, a fraternidade, a solidariedade e o civismo. O respeito. A dignidade humana e a auto-estima. Isso é que prepara as pessoas para a vida, Dux. Não é a destruí-las, Dux. É ao contrário. É a reforçá-las.

Transtorna-me saber que 6 colegas teus morreram, Dux. Também te deve transtornar a ti. Acredito. Mas devias ter pensado nisso antes. Tu que és o manda-chuva, e eles também, que possivelmente se deixaram ir na conversa. Tinham idade para saber mais. Meco à noite, no inverno, na maior ondulação dos últimos anos, com alerta vermelho para a costa portuguesa? Achavam mesmo que era sítio para se brincar às praxes, Dux? Ou para preparar as pessoas para a vida? Vocês são navy seals, Dux? Estavam a preparar-se para alguma missão na Síria? Enfim. Agora sê homenzinho, Dux. E fala. Vá. És tão dux para umas coisas e agora encolhes-te como um rato. Sabes o que significa dux, Dux? Significa líder em latim. Foste um líder, Dux, foste? Líderes não humilham colegas. Líderes não "empurram" colegas para a morte. Líderes lideram por exemplo. Dão o peito e a cara pelos colegas. Isso é um líder, Dux.

Não sei o que isto vai dar, Dux. Não sei até que ponto vai a tua responsabilidade nesta história toda. Mas a forma como a justiça actua neste país pequenino não faz vislumbrar grande justiça. És capaz de te safar de qualquer responsabilidade, qualquer que ela seja. Espero enganar-me. Vamos ver. O que eu sei é que os pais que perderam os filhos precisam de saber o que aconteceu. Precisam mesmo, Dux. É um direito que eles têm. É uma vontade que eles precisam. Negá-los disso, para mim já é um crime, Dux. Um crime contra a humanidade. Uma violação dos direitos humanos fundamentais. Só por isso Dux, já devias ser responsabilizado. É tortura, Dux. E a tortura é crime.

Sabes, quero me lembrar de ti para o resto da vida, Dux. Sabes porquê? Porque não quero que o meu filho cresça e se torne num dux. Quero que ele seja o oposto de ti. Quero que ele seja um líder e não um dux.

Consegues pereceber o que digo, Dux? Quero que ele respeite todos e todas. Que ele lidere por exemplo. Que ele não humilhe ninguém. Que seja responsável. Que se chegue à frente sempre que tenha que assumir responsabilidades. Que seja corajoso e não um rato nem um cobardezinho. Que seja prudente e inteligente. E quero me lembrar também dos teus colegas que morreram. Porque não quero que o meu filho se deixe "mandar" e humilhar por duxezinhos como tu. Não quero que ele se acobarde nem se encolha perante nenhum duxezinho. Quero que ele saiba dizer "não" quando "não" é a resposta certa. Quando "não" pode salvar a sua dignidade, o seu orgulho ou até a sua vida. Quero que ele saiba dizer "basta" de cabeça erguida e peito cheio perante um duxezinho, um patrãozinho, um governozinho ou qualquer tirano mandão e inseguro que lhe apareça à frente. É isso que eu quero, Dux. Quem o vai preparar para a vida sou eu e a mãe dele, Dux. Não é nenhum dux nem nehuma comissão de praxes. Sabes porquê, Dux? Porque eu não quero um dia estar à espera de respostas de um cobarde com amnésia selectiva. Não quero nunca sentir o vazio dos pais dos teus colegas.

Porque quero abraçar o meu filho todos os dias da minha vida até eu morrer, Dux. Percebeste? Até EU morrer. EU, Dux. Não ele.

Abraço,

Sunday, January 26, 2014

PRAXIS

Ontem recebi um email de uma amiga insistindo para que eu não deixasse de ver a apresentação do filme Praxis, uma reportagem, ontem, Sábado às 20.45 na RTP1.
 
Notei hoje que aparece também um excerto do mesmo no facebook
https://www.facebook.com/praxismovie 
bem como no youtube  
http://www.youtube.com/watch?v=_RQ4VN5ukt4  
 
A recomendação da minha amiga mereceu a minha atenção. Vi o filme por inteiro embora por várias vezes tivesse sentido uma forte urgência em desligar a televisão. Sinceramente que recomendo a todo o cidadão Português que veja o filme e faça uma profunda reflexão.
 
Uma profunda reflexão sobre a brutalidade, a violência gestual, a humilhação, a linguagem cruel e gratuitamente insultuosa, homofóbica, desumana que estes jovens chamados de veteranos decarregam sobre os caloiros, os estudantes acabados de se matricular nas universidades.

Fiquei horrorizado com o que vi. Fiquei também perplexo com a benção conivente com que o Padre Católico (penso eu) encomendou os caloiros prestes a serem submetidos a humilhações crueis. Senti que tinhamos regredido à Inquisição, aos autos da fé, onde os seres humanos despojados dos seus direitos e destinados ao cadafalso eram então abençoados por religiosos oriundos da mesma ordem que os tinha condenado.
 
Por fim fiquei indignado com a patética cerimónia final onde algumas caloiras agradeciam às veteranas suas algozes pela honra de terem sido humilhadas e maltratadas e lhes ofereciam em gratidão ramos de flores.
 
Quem era esta gente? Quem eram estes jovens? Perguntei-me. Os futuros líderes deste país? Os futuros algozes do povo? Que aqui começavam o seu estágio de desumanização e de humilhação dos que para eles e elas trabalhassem?
  
Perguntei-me se é assim que esta nossa sociedade aprende a receber os seus mais novos humilhando-os para que tenham o direito de pertencer à sociedade? E assim, de veterano para caloiro passam a prática de serem crueis, violentos, insultuosos até chegarem à vida chamada real?
 
Esta reportagem mostrou bem o que são as praxes académicas. São uma vergonha para quem as pratica, quem as apoia e lhes acha até graça. 

É obvio que as praxes têm de acabar tal como acabámos com a Inquisição.


Monday, January 20, 2014

Um mercado desregulado...

Uma alma amiga publicou há alguns dias na net a pergunta seguinte:

Desregulação dos mercados, crise na economia de casino em 2008 e a criação de uma moeda única, cujos critérios não tem em conta as assimetrias entre os países são os factores responsáveis pela crise. No entanto, o discurso dominante dos governos da Europa e não só de Portugal é a sustentabilidade do estado social. 

Como é que permitimos este retrocesso civilizacional?

ao que eu respondi:
 
... ou porque é que permitimos este retrocesso?
  • Porque não temos objectivos traçados para o país que queremos ter e onde queremos viver.
  • Porque não nos preocupamos com a corrupção do nosso dia a dia... nem com a fuga ao fisco do nosso quotidiano.
  • Porque queremos autoestradas e subsídios mas não queremos perguntar - quanto vai isto custar?
  • Porque não lutamos contra a mediocridade do que os alunos aprendem nas escolas, institutos e universidades.
  • ... e nos contentamos apenas depois a chamá-los por Sr. Dr. e por Sr. Eng.
  • Porque não damos valor ao que temos e que deixamos arder em fogos de verão.
  • Porque não damos valor aos valores éticos e morais - não valorizamos o estudioso, o disciplinado e o educado, mas sim o desenrascador e o chico-esperto.
  • Porque até achamos que alguém, um D. Sebastião (ou um Salazar, isso é que era bom...), virá salvar-nos enquanto continuamos mais na mesma sem lutar... pelos objectivos de um país onde queiramos viver e ver viver os nossos filhos e netos.
  • Porque achamos que os outros é que nos fizeram mal e nada disto foi obra, engenho e arte nossa.
 Foi assim que permitimos este retrocesso civilizacional.

Wednesday, January 1, 2014

Confiança no país que queremos

Para construirmos o país que queremos para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos precisamos de construir a nossa confiança entre os cidadãos. Um país onde os cidadãos não confiam uns nos outros não possui capital social suficientemente forte para resistir às investidas de quem não tem o bem-estar dos cidadãos como um objectivo.
 
Uma forte confiança entre os cidadãos é necessária para se construirem instituições que funcionem em benefício da sociedade. Hoje Portugal demonstra uma grande falta de confiança institucional

Estas faltas de confiança interpessoal e institucional não estão a ajudar o país a ser o país que queremos para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos.

2014 é um Bom Ano para começarmos a mudar.